O LIXO DEPOIS DO UNI

Entenda o que acontece com o lixo após evento universitário em SC.

Por: Matheus Machado Lucas e Steffani Silveira Wagner.

(Lixo recolhido dentro do Universipraia, após evento – Foto: Matheus M.)

Faziam 25° na manhã de um sábado ensolarado. O clima era diferente dos outros dias da calma cidade de Laguna (SC). Jovens e comerciantes mobilizavam-se ao redor da praia antes mesmo das 10 horas. Adiante, era possível ver o palco, de frente para o mar, que horas mais tarde receberia artistas conhecidos internacionalmente.

O primeiro dia do maior evento universitário do sul do Brasil, que contou com 12.000 pessoas confirmadas, segundo as redes sociais do evento, iniciou assim. Além dos shows, jogos entre os estudantes são outra tradicional atração do Universipraia, que junta universitários de diferentes regiões do país. Diante de tanta festa, uma coisa chama atenção: as poucas lixeiras que existem no calçadão da praia, já encontram-se lotadas. Então surge a dúvida, para onde vai o lixo gerado por toda essa gente?

(Calçadão do Mar Grosso, um dia após fim do evento – Foto: Matheus M.)

A praia do Mar Grosso, local que recebe o “Uni” todos os anos, é considerada um lugar tranquilo pelos moradores da região. Um evento dessa magnitude, movimenta a cidade e a economia. Entretanto, a pouca quantidade de lixeiras disponíveis na orla do Mar Grosso chama atenção.

A comerciante Nathane Toledo, com seu carrinho de sucos e bebidas, relata pouca infraestrutura para receber o Uni. Ela trabalha há oito anos na praia, e diz que em todas temporadas é o mesmo “sufoco”, pois a cidade está sempre em obras no verão. “Aqui é assim, começam uma obra e não terminam”, destaca Nathane. Ela também relata não ter noção da quantia de lixo gerada por conta do evento, mas logo no primeiro dia de shows já é possível notar diferença na praia. Nathane, que também é estudante de psicopedagogia, destaca a falta de lixeiras, mas reconhece que quando “o pessoal está alegre”, não se preocupam onde vão descartar o lixo. O Universipraia foi realizado de 12 a 14 de novembro de 2022.

(Carrinho de Nathane, que vende bebidas na beira da praia durante a alta temporada – Foto: Matheus M.)
 (Turista veio com a família para visitar a praia do Mar Grosso – Foto: Matheus M.)

O ponto de vista de que o acúmulo de lixo é consequência do comportamento dos cidadãos, e não somente da infraestrutura da cidade também foi abordado. É o caso da turista Rulliany Godoy, que veio de Ponta Grossa (PR), para o Mar Grosso, e não sabia da realização do Universipraia. Na opinião dela, os jovens não têm consciência sobre onde o lixo vai parar. “Por se tratar de um evento universitário, acredito que eles (estudantes), deveriam ser os primeiros a dar exemplo.

Rulliany ainda relata que na frente do hotel onde ela e sua família estavam hospedados, era possível ver lixo jogado na rua e garrafas quebradas desde a noite anterior.

Especialista explica as consequências do lixo gerado na beira da praia

Uma informação importante, é que nos dias de Uni, existiam profissionais contratados recolhendo lixo dentro do evento. Porém, o grande problema está na parte externa, já que existem poucas lixeiras nos arredores, o que faz com que o lixo acumule, transborde e se espalhe. A equipe de reportagem contou 15 lixeiras, como a da foto, no entorno do evento, além de três contêineres “disk entulho”, espalhados pela região.

(Lixeira danificada na região do Mar Grosso – Foto: Matheus M.)

O professor da Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc), e especialista em oceanografia, David Valença Dantas, explica os impactos na natureza que o lixo acumulado, especialmente em praias, pode gerar.

O especialista ressalta que não é contra a realização do evento, mas é crítico do local onde é montado, devido as dunas e vegetações que são prejudicadas. Ele também compreende que a renda arrecada pelo município é importante, mas argumenta que estudos feitos ao redor do mundo a respeito de eventos neste mesmo estilo, já apontaram que os gastos que o governo pode ter com as limpezas e manutenções dos locais, pode equivaler-se a renda obtida com as atrações.

Especialista em oceanografia explica sobre os impactos do lixo gerados no Uni.

O mestre e doutor em oceanografia biológica explica no vídeo acima, que um dos problemas destes eventos a beira do mar, é a facilidade do lixo “fugir” do alcance de ser recolhido. Dependendo da força e direção do vento, o que é constante na praia, o lixo se dispersa com facilidade, podendo ficar soterrado em dunas de areia ou sendo levado pelas marés, prejudicando o ecossistema marinho.

(Lixo encontrado ao redor do palco – Fotos: Matheus M.)

Na opinião de David, os profissionais atuando dentro do evento recolhendo os resíduos são sim necessários, e este é um ponto positivo à organização do mesmo, mas é também o mínimo a ser feito.

Como dito anteriormente, a praia não costuma receber muitas pessoas no restante do ano, e os estudantes inclusive, reconhecem que ela está sempre limpa, como é o caso do universitário Eduardo Müller.

Eduardo é natural de Palmas (PR), e cursa arquitetura e urbanismo na Udesc de Laguna. Ele chegou na cidade em março deste ano, e também deixou sua opinião a respeito do lixo no evento. Para ele, a praia do Mar Grosso é sempre muito limpa, e torce para que continue assim, mas ressalta que a falta de lixeiras pode ser um problema nesta questão. Ouça a opinião de Eduardo na íntegra.

Estudante Eduardo Müller sobre o lixo e o Universipraia.

Procurada, a prefeitura de Laguna não respondeu sobre a quantia de lixeiras ser suficiente ou não na orla do Mar Grosso. O presidente da Fundação Lagunense de Meio Ambiente (Flama), Ailton Bitencourt, repassou os documentos referentes a autorização da implantação da infraestrutura provisória para o evento (arquibancadas, banheiros químicos, entre outros). Entre os condicionantes da autorização, está comunicar aos órgãos ambientais (municipal, estadual, e federal), caso ocorra algum impacto ambiental.

Também está incluso o controle ambiental, onde o organizador do evento é obrigado a destinar os resíduos sólidos da estrutura provisória de forma adequada, mantendo o local livre de resíduos e rejeitos de qualquer natureza. Estão inclusos os resíduos sólidos urbanos gerados em função do Uni, como placas, propagandas e etc.

Outro condicionante é justificar o reaproveitamento dos resíduos gerados ou, se for o caso, comprovar que não houve resíduos. Esta autorização levou em consideração apenas os impactos gerados pela montagem da estrutura provisória. Você pode conferir os documentos referentes as autorizações ambientais para realização do Universipraia na íntegra, ao fim desta matéria.

(Entrada do Uni – Foto: Matheus M.)

O especialista David, que também é um dos coordenadores do Grupo de Gestão, Ecologia e Tecnologia Marinha (GTMar), ressalta que a falta de estrutura não se limita apenas ao Mar Grosso. As poucas lixeiras são recorrentes em outros pontos da cidade. Além disso, o município está atrasado com relação a implementação da coleta seletiva, e o Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro. Segundo o professor, ambos são essenciais para Laguna. Ele inclusive já colocou projetos, como o GTMar, à disposição da prefeitura, para que a educação ambiental alcance a sociedade lagunense. Implementar a coleta seletiva sem com que a população saiba como funciona, não surtirá efeitos significativos.

Coleta seletiva: A Lei N° 12.305, de 2 de agosto de 2010, institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A mesma dispõe sobre a gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, sob responsabilidade de seus geradores e do poder público. Está presente no terceiro parágrafo do Art. 8° desta mesma lei, que a coleta seletiva é um dos instrumentos da PNRS, e portanto, obrigatória em território nacional. Cabe aos municípios implementá-la, com a ajuda das associações e cooperativas de catadores de material reciclável.

Plano Municipal de Gerenciamento Costeiro: A Lei Municipal N° 1.691, de 18 de março de 2014 está em vigor na cidade desde a data de sua publicação (abril de 2014). A mesma trata de ações participativas de diagnóstico, monitoramento e controle ambiental, visando integrar o Poder Público, a sociedade e a iniciativa privada ao uso sustentável dos recursos naturais da zona costeira.

Ainda a respeito da coleta seletiva, no mês de setembro de 2022, foi realizada uma audiência pública pela Secretaria de Pesca e Agricultura de Laguna (Sepagri). Na ocasião, foram apresentados diagnósticos atuais e metas para o futuro, com relação ao Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, integrado a partir da PNRS, citada anteriormente. Também na audiência, foi reconhecido que a inexistência de iniciativas de logística reversa, bem como a disposição irregular de pontos de limpeza urbana, estão entre as principais deficiências do sistema.

Confira direto da Prefeitura de Laguna: Plano de Resíduos Sólidos traz diagnóstico e metas para os próximos dez anos em Laguna.

Visando o avanço da coleta seletiva, no mês de junho de 2022, a então secretária de Pesca e Agricultura de Laguna da época, Patrícia Paulino, acompanhada da bióloga Aline Savi, visitaram a cidade de Tubarão, para conhecer o modelo de coleta seletiva do município vizinho, que também está nas fases iniciais.

Confira direto da Prefeitura de Tubarão: Gestores de Laguna visitam município para conhecer o futuro modelo de coleta seletiva.

O Mar Grosso, é um dos quatro bairros da cidade que possui danos ambientais gerados por qualquer tipo de negócio ou empresa, no decorrer de suas atividades. Este tipo de prejuízo é conhecido como passivo ambiental, e deve ser compensado através de ações ou estudos ambientais, que são de responsabilidade do negócio/empresa causador dos danos. O grande exemplo aqui é o próprio Universipraia.

Confira o parecer técnico e a autorização socioambiental para implementação da infraestrutura provisória do Universipraia.

Produção: Matheus Machado Lucas e Stefanni Silveira Wagner.

Texto: Matheus Machado Lucas.

Imagens e Vídeos: Matheus Machado Lucas e Steffani Silveira Wagner.

Edições: Stefanni Silveira Wagner.

O lixo depois do Uni TSE derruba perfis de Carla Zambelli nas redes sociais. BrazilCore E-sports: O que são? Mulheres terão participação recorde nas eleições de 2022 Da monarquia ao parlamentarismo: um giro nas formas de governo ao redor do mundo. Uma mão na caneta e outra na terra A vida e a Morte da Rainha e o Novo Rei!