A cultura e o desafio de enfrentar a pandemia

Neste dia 30 de junho se completa, em grande parte do país, 105 dias de “quarentena”. Para alguns, esse tempo tem sido veloz, para outros uma eternidade. Dias em que transparece a sensação de que não há luz no fim do túnel, expectativas ou prazos. O impacto da pandemia da Covid-19 é visível em todos os setores, mas a cultura é um dos que implora por socorro. Sentimento esse que envolve, de acordo com os dados de 2019 do Sistema de Informações e Indicadores Culturais do IBGE, cerca de 5,2 milhões de pessoas no Brasil.

Como a situação aconteceu de maneira repentina, muitos não tiveram chance de se preparar e economizar para se manter. E mesmo assim, a incerteza é cada dia mais efetiva. Se reinventar para conseguir o básico para sobreviver é a forma que todos os profissionais, das diversas áreas, estão utilizando. Mas o que fazer quando sua fonte de renda está proibida, por decreto, de ser realizada? Abalados bruscamente, os profissionais da cultura e áreas de entretenimento não possuem expectativas para o retorno das atividades essenciais e sobrevivem, hoje, como conseguem.

Eventos e decoração

Registro de um dos eventos da Hangar, em Tubarão / Foto: Hangar

Embora as lives dos artistas tenha sido uma ótima opção para passar o tempo durante a pandemia e matar a saudade dos fãs, que talvez há muito tempo estivessem esperando a oportunidade de curtir um show ao vivo do seu ídolo, as casas de eventos saíram bastante prejudicadas nessa questão. Os famosos precisaram se reinventar, as casas de shows também não tiveram outra alternativa, a não ser adiar todos os eventos já fechados. A Hangar 737, casa de show de Tubarão, teria recebido, entre março e junho deste ano, mais de nove atrações locais e nacionais. No entanto, através de decreto, precisaram combinar uma nova data com os contratados. “A primeira suspensão foi a público no dia 18 de março, quando adiamos, inicialmente, os eventos de abril. Dos três eventos desse mês, Jorge e Mateus, que estava na lista, foi o que refletiu mais para gente”, explica Nicole Barbosa, assessora de comunicação na Hangar.

Dos eventos adiados, entre palestras e shows, dois não haviam sido divulgados ainda nas redes da Hangar. Além da situação em que o mundo passa, as casas de shows também dependerão, à medida que retornarem suas atividades, da reabertura da agenda dos artistas. “A gente tem noção que o entretenimento ao vivo tem que ser muito repensado, demanda muito mais cuidado. Nossa previsão não é negativa, mas muito realista. Uma formatura pode vir a acontecer, mas para haver viabilidade de um show nacional acontecer, vai ser praticamente impossível”, destaca Nicole. Após passar por uma reforma, a Hangar expandiu sua capacidade de público, suportando três mil pessoas. “Como eu vou colocar tanta gente em um ambiente fechado? Nós teríamos que baixar nossa lotação. Porém, se baixarmos para metade, que já seria um número bem legal, ainda sim, são poucos os eventos que se pagariam com esse valor”, acrescenta.

Outro ramo que foi muito afetado pela Covid-19 foi a decoração de eventos. Patrícia de Souza é decoradora desde 2015, e passa por um período bem complicado em relação ao seu trabalho. “No meu ramo, eu tive tudo cancelado, todas as festas canceladas ou adiadas. Para não dizer que não decorei, fiz uma decoração semana passada, para uma festinha de família em casa”, conta. Além das decorações presenciais, Patrícia tem a opção “pegue e monte”, que as pessoas encomendam a decoração com ela e montam do jeitinho que preferirem. “No começo foi zero a procura, mas conforme o tempo foi passando, começaram a procurar”, afirma.

A decoradora também conta que seus kits “Festa na Caixa” também foram adaptados, e toma todos os cuidados necessários na hora da montagem. Essa opção serve tanto para dar de presente, como para comemorações, e existem vários modelos que Patrícia disponibiliza, com doces personalizados, salgados, bebidas e até fotos no modelo polaroid. Durante a pandemia, as “Festas na Caixa” foram super procuradas, devido aniversários, Páscoa, dia das mães e dos namorados, por exemplo. “Está difícil, mas o importante é ter saúde nesse momento”, finaliza.

Fotografia

Com a proibição de formaturas, casamentos, eventos em geral e a recomendação de afastamento social, fotógrafos de todo país também foram prejudicados pela falta de trabalho. Para a maioria desses profissionais, resta a reinvenção tanto dentro da própria profissão quanto o aperfeiçoamento de outras artes. Diversos profissionais têm se aventurado em produções por intermédio dos celulares, como sessões de foto por chamadas de vídeo. Outros, pelo afrouxamento das restrições em algumas cidades, já voltaram a trabalhar seguindo recomendações como o afastamento, o uso de máscaras e a higienização pessoal e dos instrumentos de trabalho.

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05/10/2019 – love

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Caique Andrade, de 21 anos, fotografa desde 2017 e caminhou para o lado contrário. Com familiares no grupo de risco, não pretende voltar a fotografar tão cedo. Ao invés disso, deixou os cliques de lado e tem focado em outras expressões culturais. A edição de vídeo, que faz desde fevereiro para o canal do youtuber tubaronense Lucas Rossi Feuerschütte, mais conhecido como Luba, se tornou a principal atividade dos seus dias.

O escritório que montou em casa, antes mesmo da pandemia, hoje é o único lugar que Caique usa para trabalhar. Diferente do que fazia anteriormente, quando se desafiava pelas ruas de Tubarão com as suas lentes, o propósito atual é o de deixar a poeira baixar enquanto se envolve em outras artes além fotografia. “A alternativa que eu achei foi focar em outras coisas que não fossem sair para tirar foto, já que eu vou voltar a fazer isso só quando melhorar a situação. Então estou focado na edição e tenho estudado outras artes, como o desenho”, explica.

A Cinemateca

Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela preservação do audiovisual brasileiro e o maior acervo de audiovisual da América Latina, não é nada sem os seus funcionários. O problema é que estes funcionários estão a dois meses com os salários atrasados e a três meses sem benefícios essenciais (como vales refeição e alimentação). A situação precária é resultado de uma tentativa de terceirização e privatização das responsabilidades do Estado para com esses órgãos na última década, como aconteceu com o Museu Nacional no Rio de Janeiro.

Fachada da Cinemateca Brasileira, em São Paulo / Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

O acervo gigantesco e insubstituível da Cinemateca só sobreviveu até agora graças ao trabalho de seus funcionários, diariamente. Trabalho que envolve técnicas avançadas de preservação e restauração dessas obras, que se não tiverem cuidados minuciosos com frequência serão perdidas para sempre. A situação só tem piorado com o COVID-19 nos últimos meses.

A ACERP (Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto), responsável por manter a Cinemateca desde 2018, não é clara quanto ao repasse de verba e deixa os funcionários da instituição no escuro quanto ao seu futuro. Muitos estão trabalhando ainda pelo amor ao que fazem e entenderam a importância da preservação do acervo, mas não sabem quanto mais poderão trabalhar no local precário sem salário ou medidas de segurança quanto ao COVID-19.

Uma vaquinha foi criada para manter os funcionários assalariados e a Cinemateca funcionando, pode ser acessada no https://benfeitoria.com.

Reportagem: Ana Luíza Cardoso, Lara Silva, Laura Remesso e William Andrades.
Informativo: Ana Luíza Cardoso e Lara Silva.

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