Cultura do Cancelamento

A chamada cultura do cancelamento tem tomado muita força nas redes sociais, tomando proporções inesperadas. Tal situação pode ter sérias consequências psicológicas e também juridicamente. Confira mais sobre o assunto na nossa reportagem multimídia.

 O termo cancelamento é atribuído ao ato de pessoas se unirem para criticar, repudiar e ‘cancelar’ alguém na internet por alguma ação, discurso ou posicionamento sobre qualquer assunto. O período em que estamos vivendo causou o cancelamento de muitas pessoas que trabalham no meio digital, como Gabriela Pugliesi e Mariana Saad, ambas são digital influencers e foram canceladas por não respeitar o isolamento social, ainda no início da pandemia, em 2020.

O cancelamento acontece através de xingamentos, humilhações, críticas e assim, a pessoa pode sofrer boicote, seja pela perda de seguidores nas redes sociais ou suspensão de trabalhos, sendo consequência de algum posicionamento que tenha causado seu cancelamento.

O caso mais recente foi do humorista Carlinhos Maia, que também trabalha por meio do Instagram. Ele promoveu um evento chamado Natal da Vila e reuniu várias figuras públicas como ele, em dezembro, causando aglomeração, o que resultou em vários casos positivos de coronavírus e internações.

Nossa equipe buscou saber quando a militância abre espaço para o cancelamento. Confira:

O cancelamento não é atual, ele sempre existiu na sociedade, mas antes da internet as pessoas não tinham como se manifestar contra as outras com um grande alcance.

Entre 1964 e 1985, o Brasil vivenciou a ditadura militar, onde durante a qual os artistas já sofriam uma espécie de cancelamento por parte do governo, de forma que tinham seus trabalhos julgados e trechos de músicas cancelados, propagandas proibidas, entre vários outros tipos de censura.

Com a chegada da internet, as pessoas começaram a ter acesso a informações que antes seriam muito difíceis de obter e com isso, mudaram a percepção sobre o mundo. a facilidade de buscar respostas também se tornou um problema para pessoas atacadas no ambiente digital, pois a instantaneidade com que as coisas acontecem na internet é percebida por alguns como um incentivo para que exponham suas ideias, pensamentos e críticas.

Segundo a advogada Amanda Garcia Perraro, membro da Comissão de Direito Digital – SC, os crimes mais comuns no ambiente digital “são aqueles relacionados a injúria, difamação, calúnia, ameaças, fotos de nudez, tanto de adultos quanto de crianças”.

No Brasil, o Decreto-Lei nº 2.848/1940 pode proteger a pessoa que tenha sido cancelada na internet, pois contêm um item próprio relacionado a crimes contra a honra, que se refere a calúnia, difamação e injúria. Além destes, a advogada Amanda Garcia Perraro explica que também existe o crime de ameaça, que acontece geralmente após o ataque, “o crime de ameaça, é muito comum como consequência destes ataques virtuais”. 

Calúnia, difamação e injúria. Qual a diferença?

Explicando melhor esses três termos, e quais são os seus danos, Amanda cita que “a calúnia consiste em imputar a uma pessoa um crime que ela não cometeu. A difamação é imputar a uma pessoa um fato ofensivo à sua reputação diante de outras pessoas. E a injúria é uma ofensa direta a vítima, em que se atribui qualidades negativas”, acrescentou ela.

Para que uma pessoa possa recorrer por apoio na Justiça para se defender de uma situação de cancelamento, é imprescindível que ela tenha em mãos materiais para comprovar a sua acusação, “é importante que a vítima tenha guardado os ataques por meio de imagens (captura de tela) e que busque a URL de onde eles estão inseridos”.

Uma particularidade dos crimes de injúria, calúnia e difamação é que a própria vítima deve buscar defender a sua honra e se o autor do crime for uma pessoa de fácil identificação, ou seja, que não tenha um perfil “fake”, a vítima tem o prazo de seis meses para ajuizar a ação. Além disso, não deve ser descartada a necessidade de um boletim de ocorrência antes do ajuizamento.

Se o ataque acontecer por perfis “fakes”, é possível a identificação da pessoa, através do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014, que é a lei que oferece suporte na busca pela identificação do perfil, que pode ser feita através de advogados, ação própria ou pela delegacia.

A vítima pode ainda buscar a responsabilização do crime, para que sejam avaliados os efeitos e problemas enfrentados em decorrência do ataque, podendo receber indenização e ressarcimento por tratamentos médicos necessários pelo responsável pelo problema, caso haja a confirmação de danos psicológicos cometidos à vítima.

Créditos: Pexels

A pena para esse tipo de crime pode variar de detenção a reclusão, em um período mínimo de 3 meses a 3 anos, além de multa. No âmbito cível, nós temos a questão do ressarcimento de tratamentos, como também a indenização por danos morais, que varia de caso a caso.

A advogada de direito digital acrescenta que “além dos crimes digitais relacionados à honra, também temos aqueles relacionados à posse de fotografias de pessoas nuas sem o consentimento, situação que também afeta muito a honra da vítima”. E a pena para esse caso é de um a quatro anos de reclusão, podendo ser aumentada de acordo com o histórico do criminoso.

Ainda segundo a advogada, os danos nos casos de ataques virtuais são “imensuráveis porque na internet nada se esquece, mesmo que se consiga uma providência ágil na remoção do conteúdo, o íntimo dela fica muito abalado devido à forte exposição que isso causa. O acompanhamento psicológico nestas situações é indispensável”, finalizou ela.

Como frisou Perraro, o amparo mental é indispensável. Suzana Nunes Bertoncini, que é psicóloga e mentora, contou a nossa equipe que o cancelamento traz para a vítima uma dor emocional, como a ansiedade e em casos mais graves a depressão. 

Ela destaca, “estes sintomas são diretamente proporcionais à relevância do público que assiste determinado indivíduo, ou seja, quanto maior a relevância, maior a dor emocional que esta pessoa irá sentir num possível cancelamento (…) é como perder o chão é como perder várias questões muito relevantes na vida dela”. Acrescenta que tudo vai depender da sua vulnerabilidade. 

Para estar, permanecer e trabalhar com as redes sociais é necessário o que Suzana nomeia de ‘lastro’, que é representado por dois eixos: autoconfiança e autoconhecimento para lidar bem com a situação.  Apesar de não se aplicar para quem trabalha com as redes sociais, uma das saídas para evitar todas estas situações desagradáveis e preocupantes é ser o mais reservado possível nas redes sociais. 

Conversamos com uma psicóloga para saber a influência dessa situação na saúde mental. Veja o vídeo:

Créditos vídeo: Luíza Hennemann, Maria Julia Machado, Geovana Biudes. Texto: Emanuella Alves, Augusto Machado e Josilaine Gonçalves. Áudio: Lara Silva,Laura Remesso, Ana Luíza Cardoso.

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