A solidão do isolamento social: depoimentos, dados e reflexões

“Para quem estava acostumado a conversar com todos aqueles que, ao passar em frente à nossa casa, paravam, é algo inusitado estar apenas cumprimentando de longe. Ao fim da semana, esperar os filhos e as netas, poder abraçá-los, e agora mais de quinze dias sem poder ver as netas, ou, vendo-as, e não poder abraçá-las.”- esta é parte do depoimento enviado por Dormelindo Marion Pinheiro, idoso.

Nosso DNA sabe que, em estado selvagem, não é fácil a sobrevivência se você for um humano solitário. Desenvolvemos ao longo dos séculos um profundo senso de comunidade por conta disso, e o corpo é capaz de produzir inquietude quando sozinho e prazer quando está na companhia de outros. Assim, quanto mais tempo passamos em isolamento, em que só podemos sair para atividades essenciais, mais isso parece estranho.

As regras de isolamento social, instituídas por decreto a partir do dia 17 de março, tiveram por consequência a suspensão total ou parcial de atividades econômicas no território catarinense, como em tantos outros lugares. O governador Carlos Moisés sinalizou neste domingo, 29, que deve prorrogar as medidas por mais tempo. De acordo com ele, a retomada gradual de alguns serviços não essenciais depende da preparação do sistema de saúde para a crise do Coronavírus. A verdade é que ainda não sabemos por quanto tempo o isolamento necessita ser mantido. E precisamos lidar com as emoções que isso possa gerar da melhor maneira possível.


O isolamento em depoimentos


“Ficamos imaginando a solidão dos idosos nos asilos, dos doentes isolados na UTI, e passamos a valorizar um abraço ou um passeio na rua”, conta Maria Sidinei, idosa que mora atualmente em Itapirubá, bairro de Imbituba/SC.

Apesar de ser extremamente caseira e de gostar de estar em casa com o marido, ela sente que em confinamento seu emocional e racional ficam abalados. Maria é parte do maior percentual de idosos do Brasil, que fica na região sul. Aqui também temos cerca de 40% da população adulta com alguma doença crônica. Mesmo no caso de um isolamento vertical, em que ficariam em casa somente as pessoas mais vulneráveis ao vírus, estes grupos ainda não poderiam voltar à rotina normal. 

Maria usa o tempo para estudar partes da bíblia através de postagens de pastores na internet. “Eu estou estudando muito para encontrar a resposta das coisas, para encontrar a fé que nos permite não ter medo. A fé que nos faz seguir em frente, apesar de tudo,” conclui. 

Os desafios de adaptação à nova rotina também aparecem para outros grupos. Kally Eufrazio, estudante, queixa-se: “Particularmente o meu namorado mora no Rio Grande do Sul, então é muito pesado saber que eu não posso ver ele e ele também não está podendo vir me ver”. 

A rejeição e a falta de contato social atingem as mesmas regiões do cérebro ativadas pela dor física. A solidão é mais letal que a obesidade e o alcoolismo, e consegue ser tão nociva quanto o tabagismo, sendo equivalente a fumar 15 cigarros por dia. Claro, aqui estamos falando da condição crônica. Mas é importante dar a devida atenção para como estamos nos sentindo com a situação atual e de que forma podemos cuidar de nós mesmos.


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Kally também relata sobre sua ansiedade, que pode ter sido piorada com o estresse causado pelo “home office”. O irmão mais velho, Matheus, concorda que este é um período em que há muita ansiedade. “A gente tem apenas uma noção de gravidade, mas não sabemos quais são  as consequências reais. É impossível não ficar um tanto aflito.”, acrescenta.

O convívio na família dos dois está em harmonia, mas os pais se enquadram no grupo de risco. Isso, de acordo com Kally, acaba deixando os irmãos com o coração apertado. Já para Matheus estar em casa obrigatoriamente é, de certa forma, entediante, e também lembra uma prisão.

A psicóloga Meilene Nogueira sugere que estar só, com seus limites, também é uma oportunidade para aproveitar o melhor de si mesmo. “A partir desse momento (em que você aproveita aquilo que te faz bem) você sabe o valor da sua vida, e, sabendo isso, considera o outro e se coloca no lugar dele. Isso é empatia.”


O isolamento no treinamento da Marinha


A Marinha do Brasil muitas vezes requer longos períodos em alto-mar e distanciamento da convivência social mais ampla. Igor Vieira dos Santos, estudante, foi incentivado pelo contexto atual a relembrar seu período de treinamento no mar, que realizou no segundo semestre do ano de 2012. Na época, permaneceu com o mesmo grupo de pessoas por 30 dias em um navio. 

Igor afirma que na segunda quinzena do mês as pessoas costumam ficar mais estressadas, mais “no limite”, mais ansiosas e propensas a brigas. A situação fugia ao natural. “O ser humano não consegue ficar muito tempo longe do contato com outras pessoas. Para aliviar essa tensão, essa ansiedade, esse estresse, os instrutores/comandantes fornecem jogos ou formas de entreter.”.

Entre os jogos de cartas, “Verdade ou Consequência” e rodas de música, Igor rememora a importância dos exercícios físicos. Na época, havia uma rotina de treino mesmo dentro do navio, que permitia a liberação de endorfina para que as pessoas pudessem ficar mais calmas.

Hoje em dia talvez um aplicativo focado em exercícios físicos possa ser a opção adequada. Inclusive, esta é uma forma de se aproximar mais dos outros. Afinal, escapar da solidão tem a ver com perceber os sentimentos que você tem em comum com as outras pessoas. De acordo com Machado Pais, sociólogo, “Quando uma pessoa percebe que deixou de ter significado para os outros, ela se descobre em solidão”.

Com as bolhas sociais, as inúmeras opções na cultura e a velocidade com que estas opções deixam de ser importantes, existem menos pontos para as pessoas se identificarem, e estes pontos têm menos peso para formar vínculos. Entretanto, neste momento, estamos todos em isolamento social e nos sentindo fora da zona de conforto. Lembrar disso ajuda a perceber que não estamos sozinhos.

De acordo com a psicóloga Meilene Nogueira, o isolamento social já existia antes da barreira física. “Nos esquecemos de nossos avós, pois já estão ultrapassados, não ouvimos nossos filhos, pois são inexperientes demais.”.

De fato, hoje há uma espécie de cultura da solidão, em que o individualismo por vezes vira sinônimo de bom gosto, sucesso e bem-estar. Quem sabe este possa ser o momento para reafirmarmos a importância dos outros, lembrarmos o prazer de interagir e nos sentirmos próximos às pessoas do nosso cotidiano. 

Kally finaliza confessando que “gostaria de estar tendo aula presencial, de estar vendo meus amigos, de estar convivendo com as pessoas, poder estar abraçando, beijando. É uma coisa calorosa do brasileiro isso. E acho que faz falta sim. E faz falta sair sem medo, né?”.

Produção textual: Laura Arezio.
Foto: Laura Arezio.

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