Costa Butiá: mulheres resgatam cultura e história de Imbituba

Foi em 1948 que Cacilda Custódia da Silva aprendeu a trançar a palha do butiá. Com apenas nove anos, ela ajudava a mãe na confecção de chapéus de palha porque a procura era grande pelo produto. Nascida em Imbituba e moradora do bairro Nova Brasília (antigo distrito de Mirim), Cacilda conta que, como a maioria das pessoas, trabalhava em lavoura, debaixo do sol, ela e a irmã passavam as tardes costurando chapéu. “Nunca passamos fome, mas dinheiro para comprar outras coisas não tinha, então a gente ia vender pra poder comprar nossas coisinhas”, explica Cacilda. Na época, a palha do butiá também era usada para tecer colchão, então muitas famílias aproveitavam e faziam negócio com donos de fábricas. A venda dos chapéus era feita na roça, onde os trabalhadores estavam e as palhas eram vendidas nas próprias fábricas de colchões.

Setenta e um anos depois aparece um projeto que deu a oportunidade para dona Cacilda reviver sua infância. Ela é a única mulher viva, com saúde e disposta a ensinar para outras pessoas o artesanato com a palha do butiá em Imbituba. Foram procuradas artesãs inclusive em outras cidades, porém todas as mulheres que sabem fazer o trançado já são muito idosas e não conseguem mais sair de suas casas devido problemas de saúde. “Nunca imaginei que, algum dia, alguém fosse dar valor e importância para uma pessoa que soubesse manusear a palha do butiá”, confessa. Quando Cacilda era criança, muitas famílias viviam com a renda da agricultura e complementavam com o chapéu de butiá que vendiam. No entanto, os filhos precisavam ajudar e, na maioria das vezes, passar a tarde sentada trabalhando e depois sair para vender não era divertido. “A gente andava muito. Saíamos ao meio dia, chegava no local da venda por volta das duas da tarde e voltávamos, muitos dias, a pé ou em cima do caminhão de lenha que ia para a cerâmica. Sobrava aquele espacinho vazio entre as lenhas, era ali que a gente ficava”. 

Surgiu, em 2017, a ideia de revelar um potencial escondido na cidade, relacionando cultura e meio ambiente, que pudesse ser desenvolvido para trabalhar questões ambientais e a preservação de patrimônios. O butiá não demorou a ser lembrado. Mães, tias e avós foram citadas nas entrevistas, lembrando que, antigamente, elas secavam as folhas do butiá para fazer chapéu – do mesmo jeito que dona Cacilda ainda faz. Porém, ninguém lembrava como essas folhas eram colocadas para secar – se era de dia ou de noite, no sol ou na sombra. Através de dona Cacilda, tudo isso pôde ser relembrado e ensinado, para fazer do butiá um produto com identidade local, vendido como souvenir e que tenha um valor simbólico tanto para a cidade como para o estado. Por isso, foram oferecidos cursos, ministrados por Cacilda, na tentativa de recuperar essa tradição. 

Para as pessoas que não conheciam essa arte, os cursos mostraram o quanto ela é versátil e, ao mesmo tempo, resistente, podendo ser criados produtos exclusivos e únicos na região de Imbituba. E para quem já conhecia e sabia fazer, nada mais justo que um projeto especialmente voltado ao Butia catarinensis. O projeto ‘Costa Butiá’ começou a ser executado em 2018 e faz parte do Programa de Educação Ambiental (PEA) da SCPar Porto de Imbituba, empresa pública que administra o porto da cidade. Executado pelo Grupo Acquaplan Tecnologia e Consultoria Ambiental, tem como objetivo incentivar a conservação da Mata Atlântica e ajudar na renda da comunidade através da venda de chapéus, bolsas e sandálias.

A ideia do projeto surgiu através da necessidade que a SCPar precisa fazer alguns programas condicionantes das licenças de operação. “A gente viu que não tinha nenhum artesanato, nenhuma matéria prima que representasse o estado, como nas outras regiões têm”, destaca Giseli de Aguiar, bióloga do Grupo Acquaplan e uma das idealizadoras do projeto. “Criar um produto que tenha valor simbólico de identidade cultural para Imbituba e para Santa Catarina é muito importante”, explica.

Da teoria à prática

O que era, no passado, complemento da renda familiar, hoje traz de volta autoestima e protagonismo para quem participa do projeto. Mulheres simples tornam-se gigantes enquanto cortam, limpam e trançam a palha do butiá. “As mulheres que participam estão resgatando sua própria história de vida, sua própria identidade, porque algumas lembram da mãe, da avó, da tia, então resgatar o chapéu do butiá é resgatar a própria história delas”, afirma Giseli. Além disso, é bastante significativa a importância dessas idosas para a sociedade, visto que elas têm mais tempo disponível para fazer aquilo que pessoas mais novas não têm. “Hoje vivemos em uma sociedade que caminha em função do que dá lucro, e essas atividades manuais que têm um menor impacto ambiental e utilizam matéria prima natural acabam sendo esquecidas”, acrescenta a bióloga. 

No entanto, os artesãos do Costa Butiá fazem muito mais que simplesmente trançar palha. Camila Amorim, oceanógrafa da SCPar Porto de Imbituba, admite que, muitas vezes, fica emocionada durante os cursos. “Eles contam muitas histórias, de quando eram crianças e faziam os chapéus para vender na roça, de como era Imbituba antigamente, os butiazais”, relembra. Giseli também confessa que fica muito animada quando precisa ir para os encontros, pois vê todo mundo fazendo algo de relevância para a história da cidade. “Conseguimos aprovar dois projetos no Programa Municipal de Incentivo à Cultura de Imbituba (Procult), o Natal com Butiá, que é o presépio em tamanho real, feito todo com a palha do butiá, e o ButiáBag, que é a bolsa feita com butiá”.

Portanto, o projeto aproxima o grupo da cultura e da história, bem como da própria família, que, um dia, trabalhou com o butiá. O lucro obtido é pouco, mas a felicidade que reflete nos olhos de cada senhora vale muito mais que qualquer quantia em dinheiro. “É muito gratificante trazer de volta uma tradição que quase se perdeu e que poderia ter acabado sem ninguém perceber”, finaliza Camila.  

Butia catarinensis: há mais de dois séculos contando a história de Imbituba

A história do butiá com Santa Catarina é tão longa quanto suas palmeiras, que podem chegar a sete metros de altura. É uma planta endêmica do litoral sul do Brasil, especificamente entre Garuva (SC) e Osório (RS). A maior parte da espécie está em território catarinense e, por isso, recebeu o nome ‘catarinensis’. Com o passar dos anos, essas palmeiras têm desaparecido e, hoje, encontra-se na Lista de Espécies da Flora Ameaçada de Extinção no Estado de Santa Catarina, na categoria ‘Em Perigo’ (EN), segundo a Resolução Consema nº 51, de 05 de dezembro de 2014.

Popularmente conhecido como butiá-da-praia ou butiazeiro, o Butia catarinensis pode crescer em meio à densa vegetação arbustiva de restinga ou em dunas, e diversas vezes forma pequenos agrupamentos, chamados butiazais, como acontece na região dos Areais da Ribanceira, em Imbituba. A partir de 1970, a maior parte dos butiazais – como a planta é conhecida – foi destruído pela urbanização e ocupação desordenada no litoral. Atualmente, ainda sofre impactos causados pela expansão urbana, industrial e agropecuária, e também pelas queimadas.

Engana-se quem pensa que a planta possui apenas uma finalidade. Quem nunca se deliciou com o fruto amarelo ou matou a sede com picolé ou um suco geladinho? Além disso, Santa Catarina guarda, em suas tradições, a produção da cachaça de butiá. Em Imbituba, pais e filhos saíam atrás do fruto para fazer a bebida, que também ajudava na renda familiar. Magno Rodrigues da Silva lembra que, quando criança, muito saiu com seu pai, já falecido, para pegar butiá. “No verão, quando os butiás estão maduros, ficávamos uma tarde inteira procurando. Quando a gente chegava em casa, debulhava os cachos, fazíamos a limpeza secando bem e, então, começávamos o processo”. Magno explica que para fazer a cachaça de alambique, como é popularmente conhecida, era acrescentado canela em pó e um pouco de açúcar refinado, e, depois, armazenada em garrafas de vidro.

Após muitos anos sem fazer, o motorista começou, ano passado, a produzir novamente, ainda que em uma escala menor, devido seu trabalho. “Modifiquei um pouco os ingredientes, colocando, agora, os butiás com a cachaça e melado fervido ou mel. Para mim, fica um sabor mais agradável”, finaliza. Voltar a fazer esta cachaça, para ele, é uma forma de trazer para perto o pouco tempo que conviveu com o pai e manter sempre viva a sua infância. 

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Por Lara Silva

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